Entrevista - Lethal Fear: Transparência e Sinceridade

Entrevista por: Renato Sanson


Contudo o Metal nacional persiste em sobreviver, e falo isso tamanha as dificuldades encontradas. Pois lançar um disco no Brasil não é nada fácil, sem contar as adversidades de formação, produtores picaretas e o amadorismo de muitos "profissionais" do meio metálico.

Mas o Lethal Fear passou por todas essas provações, e num papo muito sincero e realista, o baterista Cássio Pacetta nos fala da dura realidade de se ter uma banda no Brasil, e de como passaram por esses problemas.

Confira agora mesmo: 

Heavy And Hell: “Y2black?” estava pronto desde 2008, porém só foi lançado agora. Qual o motivo de tanta demora?

Cássio: Não foi um motivo isolado, mas uma série de fatores. O principal foram as trocas de integrantes que acabaram causando mudanças na arte (que estava 90% pronta). Fora isso, perdemos o nosso apoio financeiro e acabamos ficando com diversas contas pra pagar. Antigos integrantes saíram e as contas estavam pendentes. Não achávamos justo cobrar dos novos por contas que eles não haviam assumido. Também levamos um cano de um famosíssimo ilustrador brasileiro (pagamos por um serviço e não recebemos nem o trabalho e nem o reembolso) e por aí vai. Praticamente enfrentamos todos os tipos de contratempos que você possa imaginar.

HAH: Algo que chama muito atenção em “Y2black?” é parte gráfica do trabalho, que parece muito com um mangá, poderia nos contar mais a respeito?

Cássio: A concepção gráfica foi uma parceria do Rodrigo (vocalista) com o Mario Cau (ilustrador). O disco em si não é conceitual. As músicas não possuem relação entre elas, mas o encarte foi pensado de forma conceitual. É por essa razão que não existem as letras completas no encarte. O Rodrigo teve a ideia de encontrar trechos que tornassem possível amarrar as ilustrações do encarte, e desta forma tentar contar uma história. E há a fusão dos estilos ocidental e oriental na temática justamente por conta do personagem central (um samurai que carrega a maldição da imortalidade) e a banda, que vive uma espécie de liga de anti-heróis que está investigando esse personagem.


HAH: Vocês estão na ativa desde 1998, onde era uma época em que o Metal Tradicional pouco se destacava e muitas bandas covers surgiam. Como foi para vocês esse período e o que a manteve a banda viva?

Cássio: Sempre pensamos em fazer algo de que gostássemos, levando em conta nossas influências, e nosso som foi amadurecendo com o tempo. Contudo, apesar de mantermos uma certa direção, nossas composições nunca tiveram por base a cena, mercado etc, mesmo porque no Brasil esse meio é problemático. 

Aqui rola um verdadeiro culto às bandas internacionais e também aos covers dessas bandas. Por outro lado, há um grande desprezo em relação às bandas autorais brasileiras, pois o público em geral não as valoriza. A maioria aceita pagar uma fortuna para assistir a shows gringos – ou, claro, dá aquela falsificada básica na carteira de estudante e depois fica vomitando frases feitas contra a corrupção. 

Quer pagar caro? Sem problemas, o dinheiro é de cada um, o triste é achar caro pagar R$ 50,00 por um festival com várias bandas nacionais de qualidade (e como tem banda boa nesse Brasil!). O que manteve a banda viva foi um misto de teimosia e burrice (risos), afinal se investe muito para se obter quase nada de retorno. Mas o fato é que realmente acreditamos em nossas composições e vamos continuar com elas até quando cansarmos de vez.

HAH: Em 2006 o Lethal Fear lançou seu primeiro disco "Unleashed", que obteve ótima aceitação na mídia, conte-nos um pouco mais dessa época. E em termos de composições e qualidade sonora, ficaram satisfeitos com o resultado ou mudariam algo hoje em dia?

Cássio: Ele foi feito de forma 100% independente e foi nossa primeira experiência nesse sentido, então acredito que acabou faltando algo, mas as resenhas vieram e foram todas ótimas! Inclusive concorremos ao prêmio Dynamite de lançamento independente. 

Mas não tínhamos nenhum suporte de distribuição e publicidade. Além disso, o "timing" foi horrível, pois muitas revistas estavam fechando as portas e a mídia física estava começando a entrar no caixão. Ninguém queria arriscar. Tudo era muito incerto e as redes sociais ainda engatinhavam e tinham modelos horríveis para promover algo. 

O Youtube, por exemplo, estava no berço. Pela receptividade por parte de quem conseguimos atingir o resultado foi excelente. Mas é inegável que queríamos mais. Não acredito que mudaríamos algo em termos de composição, acho que o que foi feito tem que ser mantido. Já em termos de sonoridade, sempre há possibilidades, mas há sempre o risco de se tornar algo interminável também.


HAH: Como ter banda de Metal no Brasil não é nada fácil, muitas sofrem com o problema de estabilidade nas formações, como o Lethal Fear encara essas mudanças?

Cássio: As mudanças sempre acabam atrapalhando por conta do tempo que se leva para encontrar alguém para substituir quem sai. Particularmente, acredito muito mais numa pessoa que se dê bem com o restante da banda do que num músico virtuose. Se o cara der conta do recado e ser der bem com todos, facilita muito, pois banda é convivência e se esta não for boa, não rola. 

Apesar de termos passado por diversas mudanças, sempre tivemos a sorte de contar com pessoas que se adaptaram rapidamente e contribuíram para a continuidade da banda. Hoje, arrisco-me a dizer que esta é a formação mais entrosada que temos desde um longo tempo. A química é muito boa e o reflexo disso é que já temos várias músicas novas em andamento.

HAH: Bom, vocês tinham “Y2black?” pronto desde 2008, e nessa época já era possível ver o avanço da internet, e os downloads tanto legais como ilegais já eram uma dura realidade. Hoje, isso está ainda mais avançado e mesmo assim vocês lançaram o disco em formato físico. Em algum momento a banda pensou em deixar o lançamento somente em formato digital? E o que vocês acham desta situação que a música vive junto a internet?

Cássio: Após tantos problemas para finalizar o encarte do CD e o custeio da prensagem, resolvemos disponibilizá-lo na íntegra em formato digital. Depois, contratamos a assessoria da MS Metal Records e fomos convencidos a lançar no formato físico. E como tudo na cena brasileira tem uma pitada de complicação, a empresa responsável pela prensagem do CD atrasou absurdamente a entrega e nossos planos de lançamento foram por água abaixo, o que nos deixou bem desanimados, pois o CD foi lançado praticamente no final de 2013. 

Independente disso, já disponibilizamos novamente algumas músicas no formato digital pelo soundcloud. Acredito que cada formato tem suas vantagens e desvantagens, mas no final das contas qualquer debate em torno disso é inócuo, pois ninguém quer pagar por nada. Se baixar um som custasse um centavo, logo encontrariam um jeito de burlar isso. A bandalheira é generalizada e ninguém é inocente nessa história. 


HAH: Algo que me deixou curioso, qual o significado do título “Y2black?”?

Cássio: A ideia do título foi do Rodrigo. Assim como no primeiro CD, queríamos um título que representasse a nossa sensação em relação ao momento do álbum. "Unleashed" foi o debut oficial da banda, ainda que de forma independente, era um produto final, ao contrário das demos lançadas antes dele. 

O título do 2° disco reflete o sentimento de dúvida em relação ao futuro da banda. Ele surgiu após a gravação e mixagem. Não queríamos colocar um nome de música como título e o baixista que gravou o álbum (Leonardo) saiu tão logo terminamos as gravações. Tudo estava mudando, a mídia física (CDs e DVDs) morrendo, revistas tradicionais fechando as portas e uma inundação de bandas cover proliferando mais que coelhos pelo já escasso mercado de bandas underground. 

Temos a sensação de que as únicas vertentes do metal que ainda sobrevivem no tal underground são as de metal extremo. Para os outros a cena parece ter morrido. O título é um questionamento a isso: por que um país tão grande, com tanta gente se proclamando o maior público metal do planeta pode ter um cenário tão ruim para as bandas locais? A cena existe? Claro, basta ver a quantidade de bandas. O problema é por quanto tempo essas bandas conseguem sobreviver respirando por aparelhos.

HAH: Em termos de produção, como foi o trabalho do novo disco? Vocês mantiveram o que já tinha sido gravado em 2008 ou foram feitas algumas modificações?

Cássio: Mantivemos todas as gravações originais, pois a demora maior foi em relação ao encarte e se iríamos ou não lançar o CD físico. E mesmo que tivéssemos a intenção de mudar algo não seria possível, pois não teríamos grana para isso (risos).


HAH: Para 2014 o que podemos esperar do Lethal Fear?

Cássio: Durante um bom tempo nos afastamos dos palcos e passamos a tocar esporadicamente. Agora, apesar de toda a dificuldade existente na cena, vamos retomar os shows para divulgação do nosso novo CD, como acontecerá no próximo dia 02 de março, no CarnaRock, em Pedreira-SP. Estamos trabalhando na gravação de um clipe e retomando nossos canais de internet. Também estamos compondo novas músicas e temos por meta o terceiro CD, mas ainda sem previsão de data. Temos a intenção de realizar shows fora do Brasil, mas talvez isso ocorra somente em 2015, pois ainda nos falta um pequeno detalhe chamado grana.


HAH: Gostaria de agradecer pela entrevista e disponibilidade, e deixo o espaço final a vocês. Mais uma vez muito obrigado.

Cássio: Nós é que agradecemos a vocês, afinal oportunidades como esta são importantíssimas para bandas independentes. Apesar de a cena ser problemática, tenho visto que os festivais com bandas brasileiras estão se multiplicando. O lance é torcer para que a onda do cover dê um tempo e a cena passe a ser um pouco mais organizada. 

O intuito das bandas – ao menos da maioria – não é enriquecer tocando (claro que se rolar ninguém vai achar ruim), mas sim sobreviver com um mínimo de dignidade através de sua própria música. Agora, ficar viajando e tocando em troca de lanche e cerveja não é levar a cena a sério e sim contribuir para que ela permaneça desorganizada e amadora. 

Aliás, se me permitem, gostaria de aproveitar para divulgar o trabalho dos meus amigos Afonso Ellero, Tony Kleeberg, Beto Bian, Márcio Porto e Cássio Otoni, do Programa Mult Rock, dirigido por Roger Lemos, que vai ao ar toda terça-feira, às 21 horas, pelo site www.tvabcd.com.br. Esses caras produzem um programa sobre rock/metal, apresentado com humor bem escrachado e abrem um espaço totalmente gratuito para bandas independentes divulgarem seus trabalhos. 

Apesar do formato tosco, gravado com recursos precários, os caras são criativos e ousados, contando com dois correspondentes internacionais (Inglaterra e EUA) e mandam muito bem, apresentando sempre boas novidades sonoras.

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